Desvendando o patrimônio sonoro
Os sons da natureza são uma parte essencial da nossa experiência no mundo. Eles vão além de simples ruídos: são vozes da biodiversidade que contam histórias de convivência e harmonia. Esses sons formam um patrimônio sonoro que embeleza o estado e desempenha um papel vital na construção da identidade cultural do Paraná. Entre os muitos sons que ecoam pelo território paranaense, destacam-se os cantos dos pássaros. Esses sons carregam uma história ecológica que remonta a milênios, moldada pelas interações entre as espécies e seus ambientes. Peabiru é palavra que caminha — trilha ancestral aberta por pés descalços e escutas profundas.
Os Caminhos do Peabiru formavam uma vasta rede de trajetos utilizados pelos povos originários, como os Guarani, interligando o oceano Atlântico aos Andes. Muito mais que caminhos físicos, eram rotas culturais e espirituais, moldadas por saberes ambientais e práticas de escuta atentas à natureza. Ao longo dessas trilhas, o som dos rios, o canto das aves e o farfalhar das matas não apenas ambientavam a jornada, mas guiavam os passos e contavam histórias. Revalorizar os Caminhos do Peabiru é também reconhecer os saberes acústicos que atravessam gerações e compreender o patrimônio sonoro do Paraná como um elo entre memória, biodiversidade e identidade.
Jacques Vielliard, pioneiro nos estudos de bioacústica no Brasil, dedicou sua vida à valorização do patrimônio sonoro como parte da herança cultural e natural, defendendo que a proteção dos sons da natureza é tão vital quanto a preservação dos ecossistemas. Seus esforços sensibilizaram cientistas, educadores e gestores ambientais sobre a relevância da bioacústica na conservação e na educação ambiental. Nesse sentido, o canto das aves ganha um papel central na escuta da biodiversidade — e poucas espécies ilustram isso tão bem quanto a gralha-azul, ave símbolo do Paraná e uma das vozes mais emblemáticas do patrimônio sonoro do estado. Seu canto forte e áspero ressoa pelas florestas de araucária, marcando territórios e anunciando sua presença em bandos ruidosos que atravessam os céus. Mais do que som, a gralha-azul desempenha um papel essencial na regeneração da mata, sendo responsável pela dispersão das sementes de pinheiro-do-paraná — árvore nativa e símbolo da paisagem paranaense. Guardiã da floresta e da memória ecológica, sua presença acústica não apenas representa a biodiversidade local, mas evoca o elo ancestral entre natureza, cultura e futuro.
O vídeo a seguir apresenta cinco aves do Paraná e nos convida a uma escuta atenta dos seus cantos, revelando detalhes sonoros muitas vezes invisíveis ao cotidiano apressado. Ao escutá-las, somos levados a reconhecer a complexidade das paisagens acústicas do estado e a importância de preservar não apenas as espécies, mas também os sons que elas produzem - verdadeiros sinais de vida, identidade e equilíbrio ecológico. Cada canto ouvido é um convite à escuta profunda, como nos ensinavam os povos que percorriam os Caminhos do Peabiru, atentos às vozes da floresta.
A voz da comunidade e desafios de preservação
Comunidades locais e instituições desempenham um papel muito importante na conservação do patrimônio sonoro natural. O Parque das Aves, em Foz do Iguaçu, é uma das mais relevantes iniciativas de preservação ambiental na região e tem se destacado também na proteção e valorização dos sons da biodiversidade. Abrigando cerca de 140 espécies — muitas delas ameaçadas de extinção — o parque oferece um ambiente seguro para que essas aves possam viver, se reproduzir e continuar entoando seus cantos, assegurando a permanência sonora de suas espécies.Mas não são apenas as instituições que cuidam dos sons da natureza. A comunidade também tem papel fundamental na preservação do patrimônio sonoro. Em muitas localidades do interior, especialmente entre os mais velhos, os contadores de histórias mantêm vivas lendas e narrativas que atravessam gerações. Entre elas, destaca-se a lenda da gralha-azul, que conta que a ave teria sido escolhida pelos deuses para espalhar as sementes da araucária, guardando a floresta e garantindo a continuidade da vida. Seu canto, assim, não é apenas parte da paisagem sonora, mas também símbolo de sabedoria, missão e pertencimento. Essas histórias, entrelaçadas com os sons da natureza, revelam como o saber popular e a escuta atenta formam uma poderosa rede de memória e cuidado com a terra. Apesar desses esforços, ameaças como desmatamento, urbanização e poluição sonora colocam em risco a integridade desse patrimônio. Exemplos de boas práticas incluem a criação de corredores ecológicos e a fiscalização rigorosa contra o tráfico de animais silvestres.
Conectando o passado com o futuro
O patrimônio sonoro conecta gerações ao transmitir histórias, tradições e valores culturais por meio de músicas, cantos, e outros sons característicos de uma comunidade. Esses sons servem como uma ponte entre o passado e o presente, permitindo que as gerações mais jovens conheçam e valorizem as experiências e práticas de seus antepassados. No Paraná, por exemplo, o canto de aves nativas são sons que mantêm vivas as memórias coletivas, promovendo um forte senso de identidade. Participar de caminhadas ecológicas e eventos de observação de aves é uma forma de vivenciar e proteger o patrimônio sonoro do Paraná.
Cantos do Peabiru, uma chamada à ação
Você já escutou os cantos da biodiversidade ao seu redor? Compartilhe registros sonoros e imagens nas redes sociais para conscientizar mais pessoas sobre a importância desse aspecto da biodiversidade. Ao fazer isso, você estará contribuindo diretamente para a preservação desse tesouro sonoro para as futuras gerações. Cada esforço contribui para criar uma conexão entre gerações e manter viva a riqueza natural do estado. Vamos juntos proteger os sons que conectam histórias, culturas e a biodiversidade do Paraná.
Referências
PARANÁ (Estado). Lei nº 21.046, de 10 de maio de 2022. Reconhece como patrimônio cultural imaterial do Estado do Paraná os Caminhos de Peabiru. Diário Oficial do Estado do Paraná, Curitiba, 10 maio 2022. Disponível em: https://www.legislacao.pr.gov.br. Acesso em: 19 abr. 2025.
Saiba mais
Texto elaborado por Solluá Carling Citon, bolsista de Extensão da Itaipu/UFFS)