Desvendando o patrimônio sonoro
O patrimônio sonoro das práticas de saúde popular no Paraná se manifesta de diversas formas, sendo a benzeção uma das mais emblemáticas. As rezas, muitas vezes proferidas em voz baixa e cadenciada, associam-se ao manuseio de ramos de plantas medicinais e outros elementos sagrados, compondo uma paisagem sonora singular. No estado do Paraná, a figura da benzedeira é bastante comum no cotidiano das comunidades camponesas e até mesmo em cidades. Ela é vista pelas pessoas como um ser de acolhimento, que auxilia na travessia das dificuldades expressas por nosso corpo, causadas pelos diversos fatores que a rotina nos impõe. O saber sobre as propriedades curativas das plantas é, em grande parte, transmitido oralmente, em conversas íntimas e ensinamentos passados de geração em geração — carregando consigo a sonoridade da experiência e da sabedoria ancestral.
Partindo desse contexto, gostaria então de fazer algumas considerações sobre o tema, buscando conectar as relações envolvidas nesses processos de cuidado individual e comunitário presentes nas práticas de saúde popular. Ao longo da evolução da humanidade, tivemos o estabelecimento das primeiras sociedades sedentárias a partir do domínio e manejo das plantas. O ato de semear, cultivar e manejar essas plantas teve – e ainda tem – relação direta com o tema da saúde. Não à toa, comumente dizemos que a saúde do corpo começa pela boca. Se o manejo de plantas nos trouxe saúde, também estabeleceu relações entre diferentes povos e culturas, e, com o tempo, muitas dessas plantas foram exploradas no sentido de produzir substâncias que controlassem enfermidades do corpo. Digo tudo isso para estabelecer uma relação ancestral entre as plantas como fonte de alimento e saúde, e o fato de as mulheres serem protagonistas nesse aspecto do cultivo e cuidado. A relação das mulheres benzedeiras com as plantas, bem como com o cuidado comunitário e individual, possui laços ancestrais e nos coloca algumas indagações. Por que o papel do cuidado familiar é atribuído ao gênero feminino? Por que nós, homens, temos essa tendência a nos esquivar dos assuntos que remetem ao cuidado do próprio corpo e dos corpos que compõem nosso ciclo de relações?
A voz da comunidade e desafios de preservação
Apesar de sua relevância para a saúde e cultura de muitas comunidades, as práticas de saúde popular enfrentam preconceito, marginalização e invisibilidade diante do sistema de saúde oficial e de setores da sociedade. Benzedeiras e curandeiras foram historicamente reprimidas e silenciadas. Ainda assim, resistem. Movimentos sociais como o Movimento Aprendizes da Sabedoria (MASA) têm se mobilizado para garantir o reconhecimento, a valorização e a continuidade desses saberes. Por meio de encontros, oficinas de troca de saberes e ações de educação popular, o MASA fortalece as vozes desses detentores de conhecimentos tradicionais. A articulação política resultou em conquistas importantes, como leis municipais em Rebouças e São João do Triunfo que reconhecem o ofício das benzedeiras, além da Lei Estadual que as declara Patrimônio Cultural Imaterial do Paraná.
Conectando o passado com o futuro
Preservar o patrimônio sonoro das práticas de saúde popular é manter viva uma tradição que atravessa o tempo, conectando gerações. Mapeamentos, registros, materiais informativos e ações educativas têm papel fundamental para que esse conhecimento não se perca. Participar de festas religiosas, romarias e demais manifestações da cultura popular é uma forma de manter essas tradições vivas. Divulgar histórias de benzedeiras e curandeiros, compartilhar iniciativas nas redes sociais e promover espaços de escuta ativa são caminhos possíveis para fortalecer e perpetuar essa herança sonora.
Escutas da terra, uma chamada à ação
Como podemos valorizar e proteger a voz da cura, o patrimônio sonoro das práticas de saúde popular do Paraná para as gerações futuras? Convidamos você a escutar com o coração e a celebrar a riqueza desses sons. Conheça as histórias das benzedeiras, aproxime-se dos saberes tradicionais e ajude a ecoar a força dessa escuta feminina ancestral que cura e transforma.
Referências
PARANÁ (Estado). Lei nº 19.689, de 26 de setembro de 2018. Reconhece as práticas de saúde popular e de cura religiosa como manifestações culturais no Estado do Paraná. Diário Oficial do Estado do Paraná, Curitiba, 26 set. 2018. Disponível em: https://www.legislacao.pr.gov.br/legislacao/listarAtosAno.do. Acesso em: 19 abr. 2025.
Saiba mais
Texto elaborado por Célio Andrei Schmidt, bolsista de Extensão da Itaipu/UFFS